força estranha

céu
2 min readMar 19, 2023
mão

domingo. março. dois mil e vinte e três. folheio a hermenêutica do sujeito do foucault. penso que a gente se engana quando pensamos que o cuidado de si é uma prática solitária. o cuidado de si raramente ocorre sem a presença do outro. coloco alguma canção do tim bernardes pra preencher o silêncio. mas será mesmo que todos os silêncios precisam ser preenchidos? em alguns momentos é preciso aprender a não se constranger diante deles. abraçar os espaços vazios. sustentar o vazio. enxergar-se no vazio, mas não se perder no vazio.

estou rompendo com velhos hábitos e padrões. inaugurando uma nova era dentro do que sou. me adaptando aos novos gostos, as novas descobertas, as novas percepções. há sempre uma angústia dentro do que sou e, segundo lacan, a angústia não mente. é o único afeto que não engana. acolho. sustento a angústia. ando preocupada com o tempo. recordo-me daquela canção em que a gal canta: eu vi um menino correndo. eu vi o tempo, brincando ao redor do caminho daquele menino. eu pus os meus pés no riacho e acho que nunca os tirei. a verdade é que o tempo não para e, no entanto, ele nunca envelhece. continuo.

não tenho medo das rugas, mas tenho medo das cicatrizes que não se curam, das feridas que não se fecham, das lágrimas que não se secam, das angústias que não terminam. tenho medo de ser engolida pelo tempo. de não conseguir sustentar os erros. de me assustar frente aos desafios. tenho medo de sentir medo. de deixar o medo me paralisar. tenho medo de não sair do lugar. de nunca ser lida. medo de não sentir mais. de atropelas as palavras. de tropeçar no desejo. medo de nunca ser capaz de medir a distância obscura entre necessidade e desejo.

não quero mais tapar buracos. não quero mais preencher cada espaçozinho. devo lutar contra o medo? não sei. queria começar um diário fictício, sabe? onde eu escreveria todos os dias algo que não aconteceu, mas que eu gostaria que tivesse acontecido. iria falar do dia que eu nadei com jubartes e ouvi seu canto bem de pertinho. falaria do dia que viajei de balão pelo deserto do saara e tive insolação. falaria dos amores da adolescência. das ideias mirabolantes que tramei e que nunca coloquei em ação. gosto de pensar que nossa imaginação são pequenas coreografias de realidades inventadas. quem disse que não é real?

Lara Sangi

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céu

lara gosta de ler, escrever e compartilhar reflexões e poesias bonitas.