psiu

céu
3 min readJan 19, 2022
porto velho — rondônia

eu gosto de ouvir a liniker catando “psiu”. quando ela diz “o mergulho foi tão bom que me encheu de graça” meu coração estremece junto. existem muitas coisas que são só nossas. outras que só a gente é capaz de ver. existem cantos da cidade que só quem somos é capaz de enxergar. a única coisa que a gente consegue ser é quem a gente é. é de fundamental importância ser quem a gente é de verdade. existem tantos lugares que gostaria de conhecer. que gostaria de te mostrar, dizer o que sinto e te perguntar “sente comigo?” sempre imaginei que em outros continentes a atmosfera é diferente. como se o ar mudasse, sabe? quando cheguei na região centro-oeste em outubro eu percebi que o céu estava mais próximo. outro dia, em dezembro, estávamos na piscina quando o moço disse “percebeu como aqui o céu fica mais perto da gente?” outras pessoas também sentem o que a gente sente. mas não é a gente.

ontem li um livro sobre o luto. uma das coisas que repito toda as noites desde criança em oração é desejar que vovó tenha uma noite boa de sono, porque houve vários períodos em que ela não conseguia dormir e sempre me dizia o quanto sofria com isso. pensei em pra quem eu vou orar quando ela partir. quais sonos vou pedir pra deus reestabelecer? chorei enquanto pensava e orava pedindo muitos anos de vida para ela. é difícil pensar que uma pessoa deixa de existir em algum momento, entende? como se os lugares que aquela pessoa ocupava não existisse mais. por isso que acho que a memória tem uma potência ainda pouco explorada.

quando escrevi meu trabalho de conclusão de curso baseado nas histórias que o vovô me contava, eu achei que eu podia transformar as palavras e o afeto em algo concreto. palpável. acho que esse foi um dos meus erros. a memória não pode ser palpável. não pode se solidificar a partir de uma ideia. eu achei que seria possível recriar uma memória. hoje vejo o quão petulante fui. a verdade é que as memórias estão sempre na eminência de desaparecerem, e é inquestionável que a lembrança é um ato de resgate. um ato de resgatar e desobscurecer a nebulosidade da memória, que apesar de ser nebulosa, não é inerte e muito menos uma representação do nosso passado, mas sim uma eterna reconstrução daquilo que se é.

fiquei pensando esses dias o quanto eu já quis desistir em diversos momentos da minha vida, mas nunca tive a coragem de largar tudo e voltar para casa. é como se eu tivesse falhado, entende? mas eu não falhei. não sei você, mas eu tô meio cansada, sabe? vinte e seis anos e cansada. com medo de sair na rua e ser contaminada pela covid. o país sendo governado por um monstro. eu tô exausta. mas tenho tentado prestar mais atenção nas pequenas coisas. nas crianças fantasiadas de leão marinho, homem aranha, galinha pintadinha, unicórnios indo se vacinar. ontem eu chorei vendo olga dizer que depois da segunda dose vai voltar a ser mais feliz. 10 anos olga tem. não te assusta que ainda estamos vivendo isso? mas tenho esperança, assim como a olga tem na felicidade depois da segunda dose. eu também tenho esperança depois da covid 19.

Lara Sangi

--

--

céu

lara gosta de ler, escrever e compartilhar reflexões e poesias bonitas.