coragem, corra

céu
3 min readFeb 21, 2022
céu e sol vistos da moldura da janela do corredor do meu prédio em porto velho

tenho me sentindo muito sozinha. não reclamo da solidão, porque acredito que a solidão é necessária, assim como os erros. mas tem sido difícil reafirmar isso dentro de mim. nas últimas semanas me peguei tentando tampar pequenos buracos e vazios. a sede de colocar qualquer coisa sobre a fissura na parede para ninguém ver ou a pressa de tampar o leite derramado com um pano para que os outros não vejam. a gente tem muita pressa em mascarar os nossos sentimentos, as nossas emoções e os nossos medos. no fim não tem muito objetivo a não ser parecer melhor ou parecer menos frágil para outras pessoas. a gente deixa de ser quem a gente é por muito pouco. a gente entende tarde demais que ainda que sejamos perfeitas, o outro ainda vai nos ver através de quem ele é. é humanamente impossível ser perfeita, mas eu sigo me culpando e me punindo cada vez que minimamente falho. ser complacente com os outros me parece tão mais fácil, por que é tão difícil ser comigo mesma?

em dias como o de hoje penso que preciso ser mais forte e carinhosa comigo. queria fazer do medo um destino. enxergar no sonho uma direção, mas estou paralisada. tentando fechar os buracos e preencher vazios impreenchíveis. fecho os olhos e respiro. ouço tanto barulho no silêncio. tô cansada. respiro. ouço os bem-te-vis, as cigarras e o ventilador de teto do escritório. aqui é quente e úmido, mas hoje pela manhã quando caminhei até a administração do condomínio me senti acolhida pela primeira vez nessa cidade. conheci a magia. a cachorrinha mais famosa daqui. parou e pulou no meu colo. a acariciei e me senti em casa. magia disse: seja bem vinda em auaueis e eu entendi.

sinto falta das minhas casas. sinto falta da casa cheia de gente. da emoção de abraçar julia depois de tanto tempo. sinto falta de chegar na casa da vovó e encontrar minha cama arrumada com lençóis limpinhos com meu pijaminha recém lavado em cima. sinto falta de andar até a ufes ouvindo o disco amarelo do emicida. ouvir mamilos na volta e pensar que sei tão pouco. sinto falta da casa cheia de amigos contando histórias, conversando em voz alta, prontos para uma resenha a qualquer momento. saudades de chegar no vizinho e assistir o jogo do brasil e torcer tanto até perder a voz e a existência de jair ser tão remota e insignificante pra nós. saudades de beber em casa e depois ir mergulhar no mar com esses mesmos amigos. depois ficar gripada e da sensação da inexistência da covid. anos dourados de minha juventude diria eu aos quarenta anos, mas estou dizendo agora aos vinte e poucos.

no que acredito ainda há muito pra se viver e visitar. mas vez ou outra me pego tentando preencher esse vazio deixado por esses momentos da minha vida. me pego tentando fazer tudo perfeito, tentando ser boa em tudo, mas isso também não existe. hoje enquanto passava um café depois do almoço, lembrei de quando o forfun diz “lembrar sempre de agradecer porque tudo vai virar passado no futuro e dessa vida não se leva nada. felicidade é um fim de tarde olhando o mar e a gravidade não te impede de voar”. lembro de cantar essa canção dançando pela casa quando mais nova. ansiosa pra viver tudo que a juventude tinha pra me oferecer. lembrei da menina que eu era aos 14 anos, descobrindo e se encontrando em clarice lispector. lembrei daquela menina que tinha tantos sonhos e desejos de viver a vida intensamente. que sempre achava que estava perdendo tempo de vida e que precisava viver tudo pra ontem. o que ela diria se conhecesse a mulher que se tornou hoje? acho que diria: coragem, corra!

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céu

lara gosta de ler, escrever e compartilhar reflexões e poesias bonitas.